UNIDADE V

1.  PAPEL DO ESTADO E A EDUCAÇÃO COMO DIREITO - Por Jorge Barcellos

A existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica sempre a existência de um sistema normativo, onde por "existência" deve entender-se tanto o mero fator exterior de um direito histórico ou vigente quanto o reconhecimento de um conjunto de normas como guia da própria açâo. A figura do direito tem como correlato a figura da obrigação. Norberto Bobbio

1.1 Direitos Humanos: uma ideia que nasceu há 300 anos

Segundo Renato Janine Ribeiro, não havia direitos humanos na Grécia. Isso pode soar estranho, até porque Atenas ainda hoje aparece como um momento alto, insuperado, do regime político democrático. Mas o fato é que a democracia, pelo menos entre os Antigos, não incluía o que chamamos direitos humanos - e que são uma invenção moderna.

A Inglaterra, hoje sinonima de calma resolução dos conflitos, já se viu tomada por guerras civis; e foi por ocasião de uma delas, entre 1640 e 1660, que se tornou comum à alusão aos direitos do 'freeborn Englishman', o inglês nascido livre ou livre por nascença. Haveria uma série de direitos que todo inglês teria, só por nascer.

 

Insistamos na questão do nascimento: é o que explica o termo 'direitos naturais'. Natural é o que temos por nascença. Direitos naturais são os que temos antes de qualquer decisão governamental ou política - sem precisarmos da boa vontade do Estado ou de quem quer que seja.

 

Os direitos humanos surgem, na modernidade, como direitos naturais. Basta o inglês nascer, para tê-los. Essa é uma das grandes inovações dos revolucionários ingleses de 1640. Entre tais direitos estava o de não ser obrigado a acusar a si próprio, o de não pagar impostos que não fossem votados por seus deputados, o de ter voz na política.

O arremate da revolução inglesa iniciada em 1640 se dá em 1688, quando é deposto o rei Jaime II. Guilherme e Maria, que sucedem a ele, aceitam o 'Bill of Rights', que é o nome inglês do que conhecemos, nas línguas latinas, como 'declaração de direitos".

 

'Bill', em inglês, é mais ou menos o que chamamos um projeto de lei - antes, portanto, de ser sancionado pelo poder executivo. No caso, recebe esse nome por ser um texto legal plenamente válido, mas cuja validade não deriva da assinatura do rei. Isso quer dizer que os direitos existem e vigoram, não porque um rei (ou mesmo uma assembleia) assim o quis, mas porque naturalmente todos os humanos têm tais direitos. A assembleia seja ela à francesa de 1789 ou a da ONU de 1948, apenas declara os direitos, ela não os cria.

 

A Constituição brasileira de 1988, tão difamada pelos autoritários, segue essa (boa) lição: pela primeira vez em nossa história, os direitos humanos precedem o funcionamento dos poderes de Estado. Ela ensina que o Estado está a serviço dos cidadãos, que nas Cartas anteriores apareciam depois dos três poderes, como um acréscimo, detalhe ou mesmo estorvo. E também por isso a Constituição deu caráter pétreo aos artigos sobre os direitos: se a Constituinte apenas os declarou, se não os criou (porque estão acima da vontade humana), isto implica que eles não podem ser abolidos.

 

Mas voltemos à história. Em 1689, a Inglaterra promulga seu 'Bill of Rights'. Vai passar um século antes de surgirem dois outros. Em 1789, a Assembleia que acaba de se declarar Constituinte, na França, vota a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - não mais, porém, de um único povo, mas agora da humanidade inteira.

1.2 Direitos passam a universais

Esta, aliás, é a grande característica da Revolução Francesa de 1789, nisso mais audaz que a Inglesa de 1688 ou mesmo a Americana de 1776: nenhum direito é invocado pelos franceses como sendo apenas nacional. Todos os direitos são do cidadão e do homem como universais. Valem para qualquer povo. E mesmo que a própria França demore em estendê-los, por exemplo, aos negros escravos, uma dinâmica se instaura que terminará suscitando suas revoltas (por exemplo, no Haiti) e sua liberdade.

 

Em 1791, os Estados Unidos aprovam sua declaração. Os constituintes de 1787, liderados pelos federalistas, deram maior importância à mecânica dos três poderes que aos direitos humanos. Mas Thomas Jefferson, mais democrático que eles, propôs que a adesão à Carta viesse junto com uma série de emendas reconhecendo direitos aos indivíduos. São as dez primeiras emendas à Constituição americana, conhecidas como Bill of Rights.

 

Quando estudamos os direitos humanos, são estes os três textos-chave iniciais, aos quais se soma, em 1948, a Declaração da Assembleia Geral da ONU. Vemos que eles se foram expandindo, a partir porém de uma ideia inicial e decisiva. Esta era (e é) que os direitos humanos estão acima de qualquer poder de Estado. Por isso, é uma ideia antipositivista.

 

Positivismo, em direito, não significa a mesma coisa que nas ciências. Chama-se de 'positivismo jurídico' a tese de que uma lei vale porque foi decretada (ou posta, ou afirmada) pela autoridade legítima. Só haveria direitos ou obrigações com base num poder. Mas a tese dos direitos humanos supõe, justamente, que acima de qualquer poder existente já vigem direitos inegáveis, irredutíveis.

 

Este é o cerne da ideia de direitos humanos, e vê-se qual a sua conclusão lógica: que os governos não podem violar tais direitos impunemente, e - se o fizerem - devem pagar por isso. Cedo ou tarde, precisaremos assim ter uma jurisdição supranacional que julgue e puna criminosos que só têm em seu favor, como Pinochet ou Saddam Hussein, o fato de terem cometido crimes em tão larga escala que escapam - por um tempo - ao castigo merecido.

 

As declarações clássicas são, porém, acusadas frequentemente de dar força demais aos direitos do indivíduo - e do proprietário - e de desprezar os grupos de trabalhadores sem propriedade. É verdade. Nelas, a ênfase está na defesa, contra o poder estatal, da propriedade, numa definição de direitos civis e políticos que nem sempre pretende abranger toda a humanidade. A declaração inglesa exclui dos direitos os estrangeiros, a americana os escravos, à francesa (a mais universalizante) encontra seu limite na recusa, em 1791, de uma declaração dos direitos das mulheres: Olympe de Gouges, sua proponente, foi guilhotinada em 1793.

 

Mas o importante não é as limitações dessas declarações - e sim suas potencialidades. Nos últimos três séculos, uma consciência de direitos aumentou, limitando o Poder. Os direitos se ampliaram, incluindo os direitos sociais, que se distinguem da 'primeira geração' de direitos por beneficiar grupos e não indivíduos, trabalhadores e não proprietários. Recentemente, surgiram os direitos difusos, dos quais o grande exemplo são os relativos ao meio-ambiente, que não têm titulares precisos, perfeitamente definidos, mas beneficiam a todos. Isso é irónico, porque o direito ao ar puro protege até os próprios poluidores, porque eles precisam, para viver, da mesma atmosfera que estão degradando.

 

Talvez o grande salto por se dar seja para os direitos dos animais ou da natureza em geral. Esta questão é curiosa. A tradição jurídica ocidental moderna entende que direitos pertencem a seres humanos. Se assim for, a razão de se preservar a Mata Atlântica ou o mico-leão dourado estaria no interesse (ou direito) dos homens a um meio-ambiente equilibrado, biodiversificado etc. Mas basta isso? Quando defendo uma espécie em extinção, a base de minha ação estará em meus interesses - ou no direito dessa própria espécie a viver? Cada vez mais filósofos, juristas - e praticamente todos os ecologistas - entendem dessa última forma.

E assim pode ser que o arremate dos direitos humanos seja, para além do homem, uma declaração de direitos dos animais e até da natureza. Haverá melhor sinal de que essa ideia, 300 anos depois de irromper, continua fecunda

1.3 O direito à educação como uma obrigação do Estado

No capítulo 3 de Educação, Estado e Poder (Brasiliense, 1987), Fábio Konder Comparato refere-se a importância de retornarmos as origens do pensamento político para compreendermos o lugar das leis em educação. Comparato retoma o argumento de Montesquieu, para quem havia basicamente três tipos de regimes políticos: o republicano, o monárquico e o despótico. No primeiro, a soberania, poder político supremo, pertence ao povo; no monárquico, a quem governa, com base em leis fixas e estáveis, e no ultimo, apenas um governo, sem leis, seguindo apenas a sua vontade.

Para Montesquieu, o elemento chave do regime republicano é a virtude, qualidade política que significa amor à igualdade. É o amor a igualdade de todos, universal, completa. Logo após a exposição sobre os regimes políticos, Montesquieu trata das leis da educação, fundamentais em qualquer regime político "as leis da educação são as que recebemos em primeiro lugar. E como elas nos preparam para a condição de cidadãos, cada família em particular deve ser governada em consonância com a grande família que engloba todas. Se o povo em geral tem um principio, as partes que o compõem, ou seja, as família tê-la-ão também. As leis da educação serão pois diferentes em cada expedia de governo" E acrescenta: "É no governo republicano que há necessidade de toda força da educação". A educação, para Montesquieu é visada, pois ela deve inspirar o cidadão o amor às leis. Ela é compreendida como uma instituição política, um elemento de organização do Estado. Herda a concepção de Platão, presente no livro 4 da República, onde atribui grande importância a educação na organização do Estado: os guardiões do estado precisavam ser formados, e isto era tarefa da educação. "Se nos não construirmos nossas sociedade ideal com base na função educacional, tudo estará perdido", diz Sócrates.

Em Montesquieu, a relação Estado e Educação se aprofundam: não é possível organizar a republica sem educação republicana. Não é possível desenvolver uma educação igualitária num regime que não seja igualitário. As leis da educa"cão são as que recebemos em primeiro lugar e nos preparam para a condição de educação, diferente de instrução, mera transmissão de conhecimento. A educação forma para a cidadania

1.4 O Conteúdo político da educação nacional

Elias de Oliveira Motta, em Direito Educacional e Educação no século XXI, assinala que desde a constituição de 1988, determinados valores foram inscritos para inspirarem toda e qualquer análise sobre legislação brasileira. Na verdade, constituem o campo de fundamento da Republica Federativa do Brasil e seus objetivos fundamentais. Conforme aparecem no seu preâmbulo, são os seguintes "instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos".

Longe de uma concepção neutra da educação, nesse processo ela tem um conteúdo político, determinado pelos direitos fundamentais que deve reencarnar. Ela tem caráter político por que, nos termos do artigo 1o' expressa a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. A educação é política por que permite a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, e tem como objetivo colaborar na erradicação da pobreza e na redução das desigualdades sociais. São princípios válidos para todas as áreas, definidos na Constituição, e que devem ser aplicados na Educação.

1.5 A educação como direito social

A Constituição de 1988 estabelece, em seu artigo 6o a Educação como um direito social. É uma herança das modificações introduzidas nos dispositivos constitucionais dos Estados liberais ao longo do tempo, que sofreram a influência da divulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Sofrendo pressões populares, os políticos de cada pais começaram a incluir dispositivos voltados para a questão social, buscando garantir a igualdade de todos perante a lei. A educação é valorizada no campo dos direitos sociais, decorrência direta dos direitos de igualdade e de liberdade, prestações do Estado proporcionada para os cidadãos com o objetivo de diminuir as desigualdades sociais.

No Brasil, a instrução pública foi objeto de garantia individual desde a Constituição do Império (1824), que previa gratuidade no nível primário para todos só cidadãos, o que veio a se manter nas diversas constituições brasileiras até a Constituição de 1988. Ao assegurarem a educação como um direito de todos, os Constituintes geraram um dever correspondente ao Estado de prove-la, sem descartar contudo a família e a colaboração da sociedade. O Estado toma a si o direito de legislar sobre matéria educacional, e os pais de escolher o tipo de educação que desejam para seus filhos.

1.6 Competências para legislar em Educação

Como o Brasil é uma federação de Estado, somente a União cabe fazer leis gerais para a Educação. Isso permite estabelecer uma hierarquia entre as leis, definidas pelo Congresso Nacional e pelo Ministério da Educação. Aos estados e municípios cabe legislar de forma complementar, derivada e supletiva, desde que respeitadas as leis nacionais.

É obrigação de todos às esferas de organização do Estado (federal, estadual e municipal) proporcionar os meios de acesso à educação, como assegura o Art. 23. Competência comum, dividida entre os poderes da seguinte forma: a federação organiza o sistema federal de ensino superior e colabora técnica e financeiramente com os demais sistemas, o estados administram o ensino médio e fundamental e os municípios o ensino fundamental e a educação infantil. Leis estaduais não poderão contrariar leis federais na organização do ensino, podendo a federação intervir (como expresso no artigo 34da Constituição) nos diversos estados que não satisfazerem esta prerrogativa. É claro que a possibilidade de intervenção foi introduzida pela Constituição de 1969, mas agora, seu objetivo é garantir que o percentual mínimo exigido pela Constituição de receita de cada município seja gasto com educação. Como a Constituição não previa intervenção nos estados, a Emenda 14, de 1996, resolveu o problema.

Estabelecer e manter programas de educação infantil e ensino fundamental é a missão primordial das municipalidades brasileiras, segundo a Constituição. Instituições educacionais não podem sofrer com a imposição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços, quando sem fins lucrativos desde a Constituição de 1934. O objetivo é incentivar a iniciativa privada a prestar serviços na área educacional ainda que varias instituições usem essa estratégia ara aumentar os ganhos de seus mantenedores. O que falta é uma rígida fiscalização por parte do Estado.

O apoio da lei ao investimento em pesquisa, criação de tecnologia é uma das novidades da atual constituição, ainda que não tenha melhorado o investimento geral em termos percentuais, que corresponde a apenas 0,7 % do PIB brasileiro, enquanto que outros países desenvolvidos investem cerca de 3,0%.

Nesse aspecto, considerando que uma das metas do Ministério da Educação é colocar um aparelho de televisão, com antena especial videocassete, mais um computador ligado em rede em cada escola com mais de cem alunos, percebe-se que a necessidade de investimento em tecnologia por parte do estado. A esse respeito, na própria constituição refere-se a importância de que redes de televisão, que envolvem alta tecnologia, dedicarem-se a tarefas e finalidades educativas.

Desde a Emenda Constitucional numero 1, de 1969, a educação' é conceituada como direito de todos e dever do estado e da família. Reconhecida sua importância na constituição do Estado Brasileiro, revelou o reconhecimento já consolidado nas Constituições de países mais adiantados do mundo. De certa forma, também corresponderão atendimento das sugestões da Organização das Nações Unidas, relativas a Declaração dos Direitos do Homem, de 1948. Este era o projeto de Anísio Teixeira, reafirmar os princípios escolanovistas que conceituam a educação como atributo fundamental na formação da pessoa humana. É portanto, aceitação da tendência mundial de valorização do ensino regular e da educação permanente, transformada em serviço publica essencial sob a responsabilidade do Estado.

O direito a educação evoluiu nas Constituições brasileiras, mas os diversos governos brasileiros foram ineficientes para sua eficiente execução. Evoluiu por que já em termos internacionais, constava da Declaração de 1948, ratificada na Conferencia Mundial de Educação para todos, de 1990. Em 1994, na Declaração de Salamanca, novamente foi reafirmado esse direito. NO Brasil, como dever do estado e da família, deve ser dada no lar e na escola. NO lar não cabe intromissão do Estado, exceto nos termos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente ou na legislação posterior de proteção a criança. A ideia da importância dos pais na educação dos filhos é também reforçada pelo Código Civil. Segundo Alceu Amoroso Lima "A educação da prole é dever primordial da família e seu direito natural. A vida social, porém, pela suas dificuldades, exige que a família seja auxiliada em sua tarefa formadora das novas gerações. Daí nasce a escola como instituição necessária, que tem a sua importância como grupo autónomo, assegurada pelas exigências da vida em comum. A escola é o grupo natural, por acidente, podemos dizer, pois nasce não naturalmente, como a família ou o Estado,mas como instituição voluntária especializada, se bem que exigida, pela finalidade natural da família. A escola, portanto, completa a família e é a segunda célula social, pois via a propagação natural dela. Tudo o que separa,portanto, essas duas instituições e nocivo ao bem comum. E tudo o que tornar cada vez mais solidária as suas atividades, distintas mas nunca separadas, é benéfico e necessário ao bem comum"

O papel do estado na ação educativa inicia-se com sua obrigação de construir, organizar e manter escolas, proporcionando a democratização e a gratuidade do ensino, especialmente no nível constitucional da obrigatoriedade, bem como zelar pelo respeito as leis do ensino, pela avaliação das instituições e pelo desenvolvimento do nível de qualidade do ensino. A colaboração da sociedade é prevista para suprir as deficiências do estado. A livre iniciativa tem importância pra garantir vagas e oferecer alternativas as famílias para escola das escolas.

O principio maior que norteia a constituição é a crença no homem e nas suas possibilidades de desenvolvimento. Seu sentido é humanista, visa a formação integral da pessoa, pois não há pleno desenvolvimento sem desenvolvimento político, preparação para o exercício da cidadania. Ela deverá ser evidenciada em todos os conteúdos programáticos de cada matéria, disciplina ou atividade do currículo escolar, visando a conscientizar o aluno em relação a suas responsabilidades de cidadão, aos seus direitos civis e políticos para atingir sua maturidade. Como afirma José Cretela Jr, em Comentários a Constituição Brasileira de 1988: "Cidadania é a capacidade política, idoneidade, possibilidade ou aptidão para o exercício dos direitos ativos (eleger) e passivos (ser eleito, ou , pelo menos, ser candidato as eleições), participante, pois do sufrágio e da vida democrática. (...) Em sentido estrito, cidadania é o status de nacional, acrescido dos direitos políticos, em sentido estrito, isto é, o poder de participar do processo eleitoral, antes de tudo pelo voto". Em consequência, cidadania é status vinculado a regime político, em vigor, em dado momento histórico.

O pressuposto político educacional presente no projeto nacional é de que a escola deve desenvolver o espírito critoc, combatendo preconceitos e cultivando a tolerância e o amor a liberdade. Não apenas voltada para o mundo político, mas também para o mundo do trabalho, desde a década de 80a preparação para o trabalho tem sido um dos objetos da política educacional. Voltada para o desenvolvimento de planos que envolvam aspectos psicológicos, filosóficos, antropológicos e sociais, o trabalho também é visado por que envolve o desenvolvimento integral do homem.

A constituição, especialmente nos artigos 205 e 206, estabelece finalidades e princípios para a educação que constituem a base das políticas educacionais de Estado em nosso pais. São sete princípios:

1) o direito de aprender mediante o acesso e permanência na escola em igualdade de condições, é regido pelo principio maior da igualdade, presente no artigo 5o. da Constituição. Ninguém pode sofrer discriminação de qualquer espécie, em sofrer nada que posa prejudicar sua permanência nos estudos. Permanência significa, segundo Pinto Pereira, em Curso de Direito Constitucional, que "ninguém será excluído da escola, a não ser por motivo grave, apurado em sindicância ou processo administrativo, com ampla defesa. Aos portadores de deficiências também não se vedará o acesso, nem se interrompera a permanência".A exceção desta regra é somente para os portadores de moléstias transmissíveis, para os quais se impõe isolamento, para preservar a saúde dos demais. Aids, no entanto, não é motivo de isolamento.

2) a liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, como princípios a uma continuidade e complementação dos direitos humanos, são consequência do direito a liberdade. Liberdade de ensinar, autonomia da escola, liberdade de categoria e livre atuação para empresas privadas respeitam, totalmente, o principio inalienável da liberdade.

3) O pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, defendido pela Constituição engloba o pluralismo de instituições e sua liberdade de ensinar. O espírito democrático, que possibilita, apesar de suas contradições a existência de ensino publico e privado, só o faz para garantir liberdade de escolha em relação a educação, seja na qualidade ou na metodologia, ou custos.

4) a exigência da gratuidade nos estabelecimentos de Estado, visam garantir a educação como direito de todos. A gratuidade deve ser progressiva, o que avança em relação as prerrogativas estabelecidas nas Constituições anteriores, que só determinavam para o nível primário ou dos sete aos quatorze anos. Para José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional, significa que "onde o ensino oficial, em qualquer nível, já é gratuito não poderá passar a ser pago. Onde é pago, se for fundamental, deverá passar imediatamente a ser oferecido gratuitamente, e se for médio, a entidade pública mantenedora deverá tomar providencias no sentido de que, progressivamente, se transforme em gratuito".Há uma enorme polémica neste campo entre os defensores do ensino publico gratuito e os que defendem a gratuidade apenas para os que não podem comprovadamente pagar.

5) a valorização dos profissionais de ensino, principalmente os professores, com planos de carreira e piso salarial profissional, bem como regime jurídico único dos estabelecimentos mantidos pela união é outra característica atual . Reforça que o ingresso no magistério 'público só é possível mediante concursos de provas e títulos

6) a gestão democrática exclusivamente nas escolas publicas, consolida na lei algumas experiências de gestão democrática já existente em muitos municípios brasileiros, cujas secretarias municipais de educação já possuíam, quer conselhos consultivos, quer conselhos deliberativos, para avaliar e discutir questões referentes a qualidade de ensino. Na década de 70 tornaram-se conhecidas as experiências de Maranguape (CE), Piracicaba(SP) e Lages (SC).

7) Ainda que o padrão de qualidade seja uma garantia e principio constitucional, pouco se fez em vários municípios para efetivá-lo, em virtude do corte de verbas e arrochos salariais. A qualidade de ensino depende diretamente de bons salários e treinamento.

1.7 O dever do estado com a educação

No artigo 208, são garantidas uma série de responsabilidades do estado com a educação que resumem os serviços que devem ser prestados a sociedade e que o cidadão tem o direito de exigir do poder publico. Como deveres do Estado, possibilitam maior eficácia aos direitos publico subjetivo. Uma formula encontrada, por exemplo, para assegurar a efetiva obrigação do Estado para com o ensino fundamental foi assegurarlnclusive, sua oferta gratuita para os que a ele não tiverem acesso na própria idade". Para os demais níveis, especialmente o superior, a lei estabelece "progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade", principalmente, no caso de nível superior, aqueles que comprovarem capacidade, pela aprovação em processos seletivos, tais como vestibulares.

A questão do ensino pago x ensino gratuito vem desde o império, ainda que a primeira constituição republica tenha-se omitido nessa matéria, ela retorna na Constituição de 1934, 37, e 46 como "o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á (gratuito) para quantos provarem a falta ou insuficiência de recursos". Esse conflito aparentemente recebeu uma nova ênfase na Constituição de 1988, pró-ensino gratuito. Luiz Alberto David Araújo, em A proteção constitucional das pessoas portadoras de Deficiência, assinalou que "a educação é direito de todos, portadores ou não de eficiência. As pessoas portadoras de deficiência tem direito a educação, a cultura, como forma de aprimoramento intelectual, por se tratar de um bem derivado do direito a vida" E continua:"0 dever do Estado de prestar educação, portanto, passa, obrigatoriamente, pelo fornecimento de educação especial as pessoas portadoras de deficiência". 

A renovação também se deu no campo da educação infantil, por que o que era até o momento era previsto no campo da assistência médica e alimentar, e somente com a Constituição de 1988, juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente, deu condições de cidadania a criança neste pais, portanto, um principio norteador para as novas políticas educacionais. Entretanto, Para Sônia Kramer, em Políticas de atendimento a criança de 0 a 6 anos no Brasil, "embora sejamos a oitava economia do mundo ocidental, nossa taxa de mortalidade de menores de 5 anos é mais alta do que a da Mongólia e do Paraguai, e mais do que o dobro da Argentina, Guiana ou Panamá. No que diz respeito a educação, sabemos que mais de 7 milhões e crianças de 5 a 17anos nunca frequentam a escola, e que de cada cinco crianças que entram na primeira série, apenas uma chega ao final do primeiro grau, porcentagem igual a de Blangadesh". 

Portanto, estamos diante de um projeto democrático de educação que não foi acompanhado de políticas de financiamento na área de educação infantil, nem de recursos humanos especializados para atuar na área. Partindo-sedo pressuposto que o direito constitucional, há a possibilidade de exigir-se, de maneira garantido,aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio, o não oferecimento do ensino obrigatório e gratuidade, importa a responsabilidade da autoridade competente,nas esferas de poder competentes. O próprio Código Penal Brasileiro, no seu artigo 246, estabelece pena de detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, a quem "deixar, sem justa causa, de prover a instrução primaria de filho em idade escolar". Para isso, diversos promotores de justiça já sugeriram a importância de efetuar recenseamento sobre alunos evadidos para o Ministério publico, para que possam serem instaurados inquéritos policiais. 

1.8 A fragilidade do direito a educação: 1 milhão de crianças está fora da escola

Cerca de 130 milhões de crianças em idade escolar (21% do total) estão sem estudar hoje em todo o mundo. No Brasil, elas chegam a 1,12 milhão, cerca de 5% das crianças entre 7 anos e 14 anos.Esses dados fazem parte do relatório "Situação Mundial da Infância 1999", que será divulgado hoje pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

O relatório de 1999 dá ênfase à educação e faz uma avaliação de como os países vêm cumprindo as seis metas traçadas durante a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em março de 90, na Tailândia.Segundo o UNICEF, a meta em que o Brasil se saiu melhor foi a de universalizar o acesso ao ensino. O fortalecimento das parcerias entre governo e sociedade civil para aperfeiçoar a educação no país também foi elogiado pelo UNICEF.

Mas o relatório alerta para a necessidade de o Brasil ainda ter de melhorar muito a qualidade do ensino nas escolas públicas. Dados do censo escolar de 98 apontam que 96,5% das crianças brasileiras entre 7 anos e 14 anos estão matriculadas regularmente. Essa meta só precisaria ser alcançada em 2003.De 94 a 98, o total de crianças matriculadas no ensino fundamental cresceu 11,8%, atingindo 35,8 milhões de alunos neste ano.

 A redução no número de crianças entre 7 anos e 14 anos que estavam fora da escola no Brasil ocorreu sobretudo a partir de 1996. Naquele ano, ainda havia 3,5 milhões de crianças fora da escola.O crescimento das matrículas no ensino médio foi ainda maior do que no fundamental. Nos últimos quatro anos, houve um aumento de 37,3%. De acordo com o UNICEF, o desafio de aumentar o número de crianças matriculadas em escolas -até chegar a 100% do total- vai ficar mais difícil para o Brasil a partir de agora.

Isso porque as crianças e adolescentes que continuam sem estudar fazem parte de grupos mais difíceis de serem trabalhados. São crianças portadoras de deficiências, que vivem nas ruas, que trabalham ou que estão detidas em instituições por terem cometido infrações. Para que voltem à escola é preciso que o governo desenvolva ações voltadas especificamente para esses grupos -programas de erradicação do trabalho infantil, por exemplo. 

Dos cerca de 6 milhões de brasileiros até 19 anos que são portadores de deficiência, apenas 5% (334,5 mil) estão matriculados em escolas que oferecem atendimento especializado. Os demais estão sem estudar ou frequentando escolas que não atendem a suas necessidades.

1.9 Os excluídos da educação: repetência, interrupção, e atraso escolar

Para Daniela Falcão, da Sucursal de Brasília do Jornal Folha de dos 35,8 milhões de alunos matriculados no ensino fundamental do Brasil este ano, 16,7 milhões (46,6%) já repetiram o ano pelo menos uma vez, segundo dados do MEC (Ministério da Educação) obtidos pela Folha. Os números incluem as rede de ensino público e privado.

Desse total de repetentes, 8,5 milhões já deveriam estar no ensino médio (antigo 2o grau) porque completaram 14 anos -idade com que, em tese, deve-se concluir a 8a série.Esses alunos, chamados de "fora da idade", não estão nas séries que deveriam por três motivos: reprovações sucessivas, interrupção nos estudos e demora em entrar na escola.

As altas taxas de reprovação no ensino fundamental têm o efeito de uma bomba-relógio, fazendo com que o número de alunos fora da idade estoure no 2o grau.Em 98, mais da metade (53,6%) dos 6,9 milhões de alunos matriculados nas escolas do ensino médio haviam completado 18 anos. Ou seja, já deveriam ter concluído a educação básica e estar matriculados em universidades, cursos de aperfeiçoamento profissional ou trabalhando.

Os Estados do Norte e, sobretudo, do Nordeste são os que concentram maior número de alunos atrasados. A taxa de defasagem entre aluno e série nos nove Estados nordestinos é de 64,2%, bastante acima da média nacional, de 46,7%.0 Rio Grande do Sul é o Estado com menor número de alunos fora da idade, com uma taxa de defasagem de 22,6%. Em seguida, aparecem São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Distrito Federal.

O grande número de alunos fora da idade é apontado pelo MEC como o principal obstáculo a ser vencido por Estados e municípios nos próximos quatro anos."O primeiro desafio foi matricular todas as crianças na escola. Agora que já estamos quase lá, temos de nos preocupar em corrigir o fluxo para que não haja mais alunos atrasados. Essa deve ser a prioridade tanto dos Estados quanto dos municípios", diz Iara Prado, secretária de Educação Fundamental do MEC.

Por enquanto, só há uma receita para reduzir a defasagem entre a idade do aluno e a série que cursa: a implantação das classes de aceleração, em que alunos atrasados aprendem os conteúdos de várias séries em apenas um ano. Para que isso aconteça, em vez de trabalhar todo o conteúdo de uma série regular, os alunos das classes de aceleração aprendem apenas o essencial. Além disso, as turmas são menores (com no máximo 25 alunos) para que o professor possa dar atendimento individualizado.

As primeiras classes de aceleração foram implantadas no Maranhão em 1996, antes mesmo da aprovação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que tornou legal a possibilidade de aceleração de estudos para alunos atrasados. Hoje, o número de alunos do ensino fundamental matriculados em classes de aceleração no país já ultrapassa 1,18 milhão, e só o Rio Grande do Sul não implantou mecanismos que permitem aos alunos atrasados recuperar o tempo perdido.

Os gaúchos ficaram de fora porque têm a menor taxa de defasagem entre a idade e a série dos alunos no país. Os mineiros são os campeões: 39% dos 1,18 milhão de estudantes matriculados em classe de aceleração neste ano são de Minas Gerais. Além dos Estados, a Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação assinou convénios para a implantação das classes de aceleração em 787 municípios, gastando R$ 40 milhões de seu orçamento. A verba repassada pelo ministério serve para treinar os professores que vão dar aulas nas classes de aceleração e para confeccionar material didático próprio.