A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO MARCO  DO CURRÍCULO ESCOLAR

Theresinha Guimarães Miranda

Professora da Universidade Federal da Bahia

Faculdade de Educação

RESUMO - Este artigo analisa a perspectiva atual da Educação Especial, no âmbito da integração educacional, tendo como referência o currículo escolar na educação dos portadores de necessidades educativas especiais. A intenção, na verdade, é levantar questões e aspectos relevantes do currículo escolar, apontando a adequação curricular como a alternativa para a escola atender a diversidade dos alunos. A integração, assim, é um processo complexo que exige um esforço coletivo para que todos os fatores que estão em ação contribuam positivamente para o sucesso da integração do portador de necessidades educativas especiais na classe regular.

1 – O novo modelo de Educação Especial

Provavelmente, em nenhum campo do saber tem ocorrido tantas mudanças nas concepções e na orientação geral para a investigação e para a intervenção pedagógica como na área específica do conhecimento relacionado com as necessidades educativas especiais.

Em pouco tempo, passou-se de uma visão pessimista sobre a pessoa deficiente para outra otimista, que se reflete nos sucessivos rótulos com que se tem classificado essas pessoas, segundo o ponto de vista que se analisa de uma disciplina ou outra. Isso tem produzido uma ambigüidade e falta de clareza na expressão conceitual de necessidades educativas especiais e, como conseqüência lógica, se tem tentado fornecer respostas parciais, seja no campo da Psicologia, da Medicina, da Sociologia ou da Pedagogia. Mas, pouco se tem feito numa abordagem interdisciplinar para analisar a problemática da Educação Especial.

Quando se contempla a perspectiva histórica para a caracterização atual da Educação Especial, constata-se que ela vem sofrendo reformulações, retificações, derivações e inovações que têm afetado suas considerações teóricas e práticas. Hoje em dia, faz-se necessário a revisão do próprio conceito de Educação Especial, e da população a que se destina. A mudança fundamental refere-se à introdução do termo - necessidades educativas especiais; expressão que indica que para a consecução dos fins da educação é preciso determinadas ajudas pedagógicas ou serviços especiais. Assim, pois, as necessidades educativas contemplam um "continuum" e a resposta educativa, em conseqüência, pode considerar-se, também, como um "continuum" de atuação que vai desde as mais simples, às mais específicas e incluem tanto uma ajuda temporal como as medidas e serviços mais permanentes.

O modelo educativo que deriva dessa concepção de Educação Especial centrada na ajuda que é necessária proporcionar ao aluno visando otimizar seu processo de desenvolvimento, direciona a responsabilidade da escola para as necessidades educativas especiais de um aluno, que é identificada em relação ao contexto escolar, e, a partir daí, é possível propor uma resposta. Então, duas dimensões resultam fundamentais no conceito de necessidades educativas especiais de um aluno segundo Bautista (1997) por um lado, seu caráter interativo pois não são dificuldades pessoais, mas também dificuldades provocadas pelo contexto escolar. Por outro lado, sua relatividade, ou seja, as necessidades de um aluno não podem ser concebidas de forma definitiva e determinante, mas dependerão das particularidades do aluno, num dado momento e num dado contexto. Por isso, a resposta educativa deve ser formulada considerando a situação individual de aprendizagem, em interação com um determinado contexto escolar (professor, colega, estrutura e organização).

Desta maneira, emerge uma visão de escola particularmente atenta à sua função social e educativa de favorecer o desenvolvimento integral de todos os alunos, independente de suas características individuais e as de seu contexto; logo, uma concepção de escola que responde diferencialmente à diversidade do grupo.

De acordo com esta nova concepção, a Educação Especial passa a buscar um contexto menos restritivo possível, invertendo o processo atual em que as diferenças têm sido motivo de segregação. A necessidade de ajudas ou serviços especiais não excluem esses alunos dos recursos regulares ou comuns. Precisamente, o objetivo fundamental é, por um lado, facilitar ao máximo a participação do aluno em recursos e em situações educativas normalizadas/comuns, ou seja, a integração do aluno deficiente no ensino regular. Por outro lado, promover a diversificação da resposta educativa - a oferta da escola - segundo as necessidades particulares dos alunos. Ambas as dimensões devem ser analisadas em toda situação ou demanda de educação especial.

A adequada resposta às necessidades educativas especiais e comuns dos alunos exige dispor de um projeto educativo na escola, compartilhado por toda a comunidade educativa, que assuma, tanto a nível conceitual, como metodológico e organizacional, a diversidade como fator inerente a todo grupo humano. Esse projeto escolar deve dar sentido a todas as atuações e serviços que possam precisar os alunos, tendo sempre as situações mais inclusivas possíveis no ensino regular. Os recursos precisos para esta situação educativa, em quantidade suficiente e com a qualidade requerida em cada caso, devem ser os recursos da escola, a qual deve assegurar a atenção específica aos alunos que dela precisam.

A atenção a esses alunos deve ser contemplada em todas as etapas educativas, de acordo com as características próprias do seu desenvolvimento e no marco dos princípios assinalados pelo sistema educativo e pela escola.

Para isso, a identificação das necessidades educativas de um aluno constitui o ponto de partida para a determinação da atuação educacional que se concretiza no currículo escolar, assim como os recursos pessoais e materiais precisos para o processo educativo. Assim, deve-se abandonar a prática, hoje em dia tão comum, de estabelecer serviços educacionais de forma quase automática em função da natureza do déficit.

2 - Avaliação e Determinação das Necessidades Educativas Especiais

A avaliação constitui um elemento e processo fundamental na prática educativa. Realmente, é inseparável desta prática e forma uma unidade com ela, permitindo reconhecer a informação e realizar juízos de valores necessários para a orientação e para a tomada de decisões a respeito do processo de ensino e aprendizagem. Logo, não se avalia para classificar alunos, para compará-los entre si ou em relação a uma norma genérica, mas se avalia para orientar o aluno e para guiar o processo educativo.

Cabe destacar que as informações que interessam extrair no processo de avaliação é aquela que seja realmente útil para a determinação de necessidades educativas especiais dos alunos e, portanto, relevante para a tomada de decisões curriculares. Essas informações referem-se a diferentes âmbitos (o próprio aluno, seu contexto sócio-familiar e escolar) e, por isso, são vários os profissionais que participam da avaliação. Isso obriga a que todos disponham de critérios comuns e consensuais sobre as características da avaliação e sobre as estratégias para sua realização.

A questão: qual será a informação mais relevante? Nos leva a outras perguntas que devem guiar a análise da informação, como: para que serve essa informação? que atuação concreta se pode realizar a partir dessa informação? Em linhas gerais, e para estabelecer critérios comuns, podemos agrupar as informações relevantes em dois grandes blocos:

  • Informações sobre o aluno
  • aspectos de seu desenvolvimento: biológicos, intelectuais, lingüísticos, psicomotores, sociais e emocionais;
  • nível de competência curricular;
  • estilo de aprendizagem e motivação para aprender.
  • Informações relativas ao contexto do aluno

- contexto escolar;

- contexto sócio-familiar.

Informações sobre o Aluno

Em geral, para a maioria dos alunos, uma boa avaliação da competência curricular proporciona a informação necessária para planejar o processo de ensino e aprendizagem. Contudo, para alguns alunos com necessidades educativas especiais, a avaliação baseada no currículo não nos leva aos dados necessários para ajustar a resposta educativa.

Determinadas informações sobre o desenvolvimento dos alunos compreendem um grupo de aspectos especialmente relevantes e ajudarão a conhecê-los em maior profundidade e ajustar melhor a resposta educativa que necessitam.

O segundo grupo de informações sobre o aluno refere-se ao nível de competência curricular, o que implica determinar o que é capaz de fazer o aluno em relação aos objetivos e conteúdos das diferentes áreas do currículo escolar. Para tanto, se toma como referência o nível que o aluno irá começar (esteja ou não escolarizado), avaliar seu grau de competência a respeito dos objetivos e conteúdos estabelecidos nas distintas áreas curriculares do nível anterior. Nessa avaliação, os critérios serão os mesmos estabelecidos para os distintos níveis em cada uma das áreas curriculares e explicam o tipo e grau das aprendizagens que se espera que os alunos tenham desenvolvido para o nível de referência.

Essa avaliação pode servir a três finalidades básicas:

  1. escolarizar o aluno com necessidades educativas especiais;
  2. situar o aluno em relação a proposta curricular da escola;
  3. tomar decisões sobre medidas de adequações curriculares.

Sendo essa avaliação criterial e individualizada, nos permite fixar as metas que o aluno deve alcançar, a partir de critérios derivados de sua situação inicial.

É necessário saber, não só o que o aluno é capaz de fazer, mas, também como o faz, isto é, as características individuais com que o aluno responde às tarefas escolares. Isto porque a aprendizagem tem um componente tanto cognitivo como emocional, e por isso é preciso saber sua própria perspectiva diante da aprendizagem, o sentido que dá ao que se ensina, sua maneira de enfrentar e responder aos conteúdos e tarefas escolares, suas preferências e motivações, seu ritmo de aprendizagem.

A esse conjunto de aspectos que compreendem o terceiro grupo de informações sobre o aluno, refere-se à sua maneira de aprender e denomina-se estilo de aprendizagem. Ter informações sobre esse aspecto ajudará a manter, modificar ou incorporar as condições educativas mais favoráveis para que se produzam aprendizagens significativas. Tradicionalmente, a escola tem enfatizado a capacidade para aprender, medida exclusivamente através do rendimento escolar, e tem prestado menos atenção à motivação e interesse, esquecendo a interdependência dos três fatores no processo de ensino e aprendizagem e correndo o risco de gerar, nos alunos, um desencanto que tem provocado a evasão e fracasso escolar.

Informações sobre o contexto

Outras informações que constituem a avaliação refere-se ao contexto no qual o aluno está inserido. São vários os contextos que condicionam seu desenvolvimento, mas é necessário delimitar o campo de atuação docente e não esquecer que o contexto escolar, diferente dos outros, promove, de forma intencional e planejada, esse desenvolvimento. Logo, é nesse contexto onde os fatores que podem favorecer ou dificultar a aprendizagem de um determinado aluno, pode submeter-se a análise e ser ou não modificado.

No contexto escolar pode diferenciar-se dois níveis: o contexto próximo: a aula e o contexto amplo: a escola. A avaliação do contexto configura o que se poderia chamar de estilo de ensino de cada professor, isto é, a forma peculiar de elaborar o programa, a prática docente, organização da classe e relacionamento com os alunos. Alguns dos indicadores mais relevantes para realizar essa avaliação referem-se a:

  • adequação da programação às características do aluno;
  • aspectos interativos com o aluno.

No entanto, a atuação educativa em sala de aula não depende unicamente do professor, mas também, em grande parte das diretrizes da escola como um todo. As dimensões fundamentais para análise são semelhantes às do contexto de sala de aula: a adequação do projeto educacional e curricular ao aluno, seu desenvolvimento na prática e concepção do professorado a respeito do processo de ensino e aprendizagem e em especial para os alunos com necessidades educativas especiais. Esse é um processo de reflexão e resultado da contribuição de todos os agentes educativos, dos professores de todas as áreas e de apoio, do orientador da escola e dos membros da equipe interdisciplinar. Para desenvolver essa tarefa é imprescindível um ambiente de cooperação profissional e confiança mútua, onde se pretenda, não a crítica ou desqualificação, mas a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem.

Ainda é importante no processo de aprendizagem do aluno, os membros de sua família, pois são figuras que também condicionam seu desenvolvimento. Isso justifica a necessidade de se conhecer informações sobre aspectos relevantes do contexto familiar e também do contexto social que cerca o aluno e que podem influir em seu processo e proporcionar informação útil para a tomada de decisão curricular.

A tarefa mais importante depois de conhecer essas informações é determinar o que está favorecendo ou dificultando o processo de aprendizagem do aluno e posteriormente tentar, em colaboração com a família, ajustar ou modificar o que seja necessário e possível, para oferecer-lhe as condições mais adequadas.

3 - Do Currículo Geral às Adequações Curriculares

Uma vez determinadas as necessidades educativas especiais é hora de se propor uma série de ajustes ou modificações que se façam necessários. O desafio da escola consiste, precisamente, em ser capaz de oferecer a cada aluno a resposta às suas necessidades, ou seja, a ajuda pedagógica que ele necessite, ajustando a intervenção educativa à individualidade do aluno. A dificuldade desta tarefa é evidente, e é a única maneira de evitar que a escolarização colabore para aumentar as desigualdades.

Tendo em vista que a diversidade é um fato inerente ao desenvolvimento humano, a educação escolar terá que assegurar, então, um equilíbrio entre a necessária unidade do currículo e a inegável diversidade dos alunos.

A escola tem que planejar sua atuação e a base de sua intervenção educativa, que deve ser expressa no currículo. Assim, o currículo é entendido como o projeto que determina os objetivos da educação escolar, isto é, os aspectos de desenvolvimento e de transmissão da cultura que a escola pretende promover e propõe um plano de ação adequado para a consecução desses objetivos. A sua vinculação ao projeto político-pedagógico da escola tem sido evidenciado por diversos autores. Uma clara posição constitui a definição de currículo proposta por Coll:

"A elaboração curricular é a explicitação do projeto que preside e guia as atividades educacionais escolares, precisando as intenções que se encontram em sua origem e proporcionando orientações sobre o plano de ação, para levá-las a cabo. Com este propósito, a elaboração inclui informações sobre o que, quando e como ensinar e avaliar." (1996, p. 24) (Grifo nosso.)

Logo, o currículo inclui tanto o projeto político-pedagógico da escola, como a sua própria prática.

Nesse processo, a participação dos pais deve ser assegurado, tanto no plano institucional, como parte da comunidade educativa, através do Conselho Escolar e por meio da Associação de Pais, como a nível pessoal. Essa participação começa no processo de identificação e valorização de necessidades e deve prolongar-se no acompanhamento da ação educativa. Essa colaboração entre família e escola tem conhecidos efeitos positivos no desenvolvimento educativo de alunos com necessidades educativas especiais. Isso porque o objetivo da educação escolar obrigatória é oferecer ao aluno uma cultura comum a que deve ter acesso qualquer cidadão. Nesta clara intenção educativa se condensam as aspirações de igualdade de oportunidades que devem caracterizar a educação escolar.

Reivindicar uma escola com esta característica igualitária não significa reclamar a uniformidade para todos os alunos, mas supõe educar respeitando as peculiaridades de cada aluno e no convencimento de que as motivações, os interesses e a capacidade de aprendizagem são distintos entre os alunos, devido a um complexo conjunto de fatores, tanto individuais como de origem sociocultural, que inter-atuam entre si.

Para oferecer uma resposta educativa ante à diversidade de alunos, uma proposta de currículo aberto, oferece um dos instrumentos mais valiosos. Assim, os professores contam com estratégias educativas que lhes permitirão alcançar a individualização do ensino: as adequações curriculares.

As adequações curriculares são as modificações necessárias nos diversos elementos do currículo básico para adequá-los a diferentes situações, grupos e pessoas para o qual ele se destina (Giné e Ruiz, 1995). Essas adequações são intrínsecas ao novo conceito de currículo. De fato, o currículo deve contar com adequações que atendam a diversidade das escolas, das aulas e dos alunos. Na realidade, essa tarefa é da responsabilidade da escola como tal, da equipe de professores e de cada professor em sua atuação didática.

O processo de elaboração de adequações curriculares constitui-se estratégia quando um aluno ou grupo de aluno necessitam alguma modificação na ajuda pedagógica que se oferece ao grupo em geral, seja por seus interesses ou motivações, ou por suas capacidades. Não se trata, pois, de fazer um programa paralelo, mas sim de realizar modificações individuais ou coletivas, a partir da programação do grupo de referência.

As adequações propostas podem ser de caráter geral, que afetam todas as áreas curriculares (eliminação de um objetivo da série, introdução de um sistema de comunicação ou de escrita, utilização de um material específico...), ou específicas, isto é, centradas em uma área curricular concreta (eliminação ou introdução de um objeto da área de linguagem, revisar o tipo de apoio pedagógico que se determinou para essa área...).

É importante assinalar que uma mesma necessidade pode dar lugar a várias adequações. Por exemplo, a necessidade de desenvolver hábitos de autonomia e independência pessoal pode dar lugar à adequação tanto em objetivos e conteúdos, como em metodologia e material. Os ajustes serão diferentes em função das possibilidades de mudança que ofereça o contexto, já que há diversas maneiras de entender e responder às necessidades dos alunos. Além do que, uma adequação curricular pode responder a várias necessidades. Por exemplo, a introdução, para um aluno, de um sistema complementar de comunicação pode resolver suas necessidades de aquisição de conhecimentos em várias áreas curriculares e também necessidades de comunicação, autonomia, e independência pessoal.

4 - Critérios para Adequação Curricular

Toda adaptação individualizada do currículo supõe, sempre, ênfase em algum aspecto, de acordo com as características pessoais e competências dos alunos. Assim, pois, uma adaptação individualizada do currículo pode significar:

  1. a priorização de áreas curriculares ou de certos conteúdos da área em relação aos propostos no currículo escolar geral para todos os alunos. Isso pode significar dar mais tempo aos objetivos, áreas ou conteúdos que se priorizou, ou dar mais importância a algum desses elementos, sem deixar de trabalhar o resto, nem considerá-los como critério de promoção. Um exemplo desse tipo de adaptação consiste em priorizar para um aluno da educação infantil, os conteúdos relativos à comunicação, por se considerar que o nível de desenvolvimento das capacidades relativas ao processo de comunicação é inferior ao necessário para começar a aprendizagem de outros conteúdos do mesmo nível.
  2. a modificação do tempo previsto para alcançar determinados objetivos e conteúdos. Nesse nível de adaptação, podemos distinguir duas variáveis:

 

  • adaptação temporal, pouco significativa, em que o aluno consegue alguns dos objetivos mais tarde que os seus companheiros, mas do mesmo nível.
  • Adaptação significativa, em que o aluno consegue os objetivos propostos, mas no nível seguinte. Isto significa adaptar a seqüência de ensino e aprendizagem, tornando-a mais extensa e detalhada que para o grupo de alunos. Um exemplo desse tipo de adaptação seria a decisão de planejar a aquisição da leitura e escrita, para um aluno ou grupo de alunos, como um objetivo que se alcançará mais adiante, no nível seguinte, pela necessidade de trabalhar previamente outros conteúdos não desenvolvidos.

 

  1. a inclusão de conteúdos e objetivos complementares e com referência a aspectos muito específicos. Por exemplo, pode-se introduzir conteúdos e objetivos para um aluno, referente ao desenvolvimento motor (mobilidade, motricidade fina, conhecimento do próprio corpo), hábitos básicos (cuidado pessoal, normas sociais), dentre outros.

No entanto, a introdução de objetivos e conteúdos não significa renunciar ao trabalho de outros objetivos e conteúdos que façam parte do currículo oficial da etapa em que o aluno se encontra. Esse processo de adequação curricular individual deve ser uma estratégia global, muito flexível e dinâmica que considera alguns princípios básicos já explicitados anteriormente, e aqui sintetizados:

  • Partir sempre de uma ampla avaliação do aluno e do contexto em que se realiza o processo de ensino e aprendizagem. O caráter interativo das necessidades educativas especiais exige que se conheça o aluno em profundidade, embora não seja suficiente para a decisão dos ajustes e modificações necessárias para compensar suas carências ou dificuldades.
  • Partir sempre do currículo escolar. Desse modo, assegurará o esforço em manter, no que for possível, um processo educativo normalizado, apesar do processo de adaptação curricular, em alguns casos, realizar mudanças significativas, diferindo bastante do grupo de referência.
  • Procurar que as adequações separem o aluno, o mínimo possível, do planejamento geral do grupo. Para isso, terá que se ajustar a uma certa ordem e seqüência no processo de adequação que, sem serem rígidas, assegurem uma educação o mais normalizada possível para os alunos com necessidades educativas especiais.
  • Combinar os critérios de realidade e êxito. É importante começar por aquelas adaptações que sejam mais adequadas às possibilidades e condições de ensino e aprendizagem e que assegurem um certo nível de êxito. Por exemplo, para alguns alunos pode ser mais realista eliminar uma área curricular que tentar manter alguns objetivos com adequações significativas. Além disso, esta adequação pode garantir uma maior possibilidade de êxito do aluno, ao centrar a tarefa em outros aspectos do currículo, mais importantes ou necessários para esse aluno. Por outro lado, pode ser pouco realista adaptar o currículo de um aluno surdo incorporando a utilização da língua de sinais na escola, quando nenhum professor conhece essa língua. Isto significa que é aconselhável priorizar aquelas adaptações que tenham mais controle para obter resultados positivos que vão reforçando o processo.
  • Registrar as decisões, por escrito. Escrever as adequações é uma forma de garantir que se realizem, inclusive quando ocorre mudança na equipe docente. Além disso, garantirá uma maior coerência de todo o processo, pois as adaptações não são decisões isoladas ou conjunturais e, sim, fruto de um rigoroso conhecimento das necessidades do aluno no contexto de aprendizagem. E, por último, permitirá orientar a avaliação e o acompanhamento contínuo sobre o desempenho do aluno, permitindo modificações e ajustes que sejam precisos.

5 - Decisões sobre a Modalidade de Apoio.

Após a decisão sobre as adequações curriculares que precisam os alunos com necessidades educativas especiais, tem que se determinar qual vai ser a modalidade de apoio mais adequada para que as adequações possam ocorrer em melhores condições. Essa decisão pode ser considerada nas adequações de "como ensinar", que sem dúvida, pela sua relevância, terá uma atenção especial.

Nesse processo, a presença de determinados especialistas (professores itinerantes, fonoaudiólogo, psicólogo, entre outros.) constituem um elemento fundamental para que os alunos tenham acesso a determinados conteúdos de ensino e aprendizagem e possam integrar-se nas atividades de aula. No entanto, a opção da modalidade de apoio implica sobre a decisão dos seguintes aspectos:

  • área prioritária para o aluno receber ajuda;
  • tipo de apoio mais adequado para trabalhar os aspectos definidos prioritários;
  • situação em que se vai trabalhar: se dentro ou fora da sala de aula; em grupo ou individualmente; apoio prévio, durante ou depois das atividades de ensino e aprendizagem que se desenvolvem em classe com todos os alunos;
  • estabelecer as funções e tarefas dos diferentes profissionais, assim como os papéis de cada um, nas distintas situações de aprendizagem do aluno.

Para a determinação da modalidade de apoio mais adequado para o aluno com necessidades educativas especiais, deve-se ter em conta alguns princípios básicos:

  • não existe um único modelo de apoio válido para qualquer aluno e contexto de ensino e aprendizagem. A decisão do tipo adequado para responder às necessidades educativas específicas está condicionada a uma série de variáveis que podem ter dimensões diferentes de acordo com o caso:
  • tipo de necessidade educativa do aluno e área curricular em que incide prioritariamente,
  • metodologia e organização geral da aula,
  • atitudes e grau de entendimento entre os professores (da sala e do apoio).

O peso de cada uma dessas variáveis e a reflexão sobre as mesmas vão definir a adequação do tipo e modelo de apoio educacional. As decisões sobre a modalidade de apoio mais adequada para cada aluno devem ser compartilhadas por quantos se achem implicados no seu processo de ensino e aprendizagem. Essa decisão deve conseguir o difícil equilíbrio entre a resposta mais adequada para suas necessidades e uma educação o mais normalizada possível.

A tomada de decisões de forma conjunta entre os vários profissionais conseguirá, por uma parte, um maior compromisso de todos, na resposta a esse aluno; permitirá também, a existência de critérios comuns para o trabalho diário e, por fim, beneficiará o próprio processo de apoio. Por exemplo, será mais simples tomar a decisão de prestar apoio dentro da sala de aula, quando se decide, de forma conjunta, do que quando só um dos profissionais toma essa decisão.

Outro princípio a ser observado na tomada de decisão da modalidade de apoio é que deve guardar uma estreita relação com as normas gerais definidas no órgão central de educação para a prestação do apoio. O respeito à organização dos apoios decorre, de fato, de que há uma série de decisões que são competências da equipe docente em seu conjunto, como são a designação das diferentes funções de apoio, o número de alunos a atender, o tipo de atenção que precisa (direta ou indireta) e os critérios gerais para decidir a modalidade de apoio.

A modalidade de apoio pode ter diferentes possibilidades, em função do número e características dos alunos que vão ser atendidos, do local do atendimento (dentro ou fora da sala de aula), do momento em que realiza em relação a atividade geral da aula (apoio prévio, durante ou depois da aula) e, ainda, do número de horas de apoio que necessita cada aluno.

Em função dos princípios enumerados se podem realizar diferentes contribuições que não são excludentes. Assim, para um determinado aluno, pode-se promover alguns momentos de apoio individual fora da aula e prévia a uma determinada atividade e, em outros momentos, pode oferecer o apoio dentro da sala de aula e em pequeno grupo.

Relembrando que as adequações curriculares são o conjunto de ações que se realizam nos objetivos, conteúdos, critérios e procedimentos de avaliação, nas atividades e metodologia para atender às diferenças individuais dos alunos. Nesse sentido, as adaptações curriculares visam:

  • conseguir a maior participação possível dos alunos com necessidades educativas especiais no currículo escolar;
  • conseguir, no que for possível, que os alunos com necessidades educativas especiais alcancem os objetivos de cada nível de ensino, através de um currículo adequado às suas características e necessidades específicas

6 - Linhas Diretrizes para as Adequações Curriculares

Essa proposta de um currículo aberto, flexível e descentralizado requer um conjunto de medidas de política de desenvolvimento educacional imprescindíveis para que a mudança que supõe a implantação do currículo proposto possa tornar-se realidade na prática escolar.

As medidas que afetam a referida mudança referem-se a seis âmbitos distintos:

  • formação do professorado;
  • materiais curriculares;
  • serviços de apoio à escola;
  • organização escolar,
  • investigação educativa,
  • avaliação.

 

A formação do professor, tanto inicial como permanente, deve responder ao novo perfil de professor que se caracteriza por sua função em valorar e eleger entre a diversidade de alternativas pedagógicas aquela que lhe pareça mais adequada à realidade da escola e da aula. Não se trata de um mero executor do que outros decidem. Os planos de formação docente não devem unicamente centrar-se em cursos nos quais se transmitem conteúdos específicos, mas oferecer tempo, espaço e condições que permitam que o professor possa avaliar sua experiência e sua prática diária e deduzir as mudanças necessárias em sua programação. Dessa forma, a formação permanente do professor é basicamente um processo de reflexão sobre a prática, considerando a escola como unidade privilegiada de formação.

A segunda medida para o desenvolvimento curricular se refere à necessidade de oferecer aos professores uma ampla gama de materiais curriculares que o ajudem na execução da programação de ensino. Logo, os materiais curriculares devem estar a serviço das intenções educativas do professor e podem acabar convertendo-se para um grande número de professores, na referência curricular por excelência de sua atividade docente. Assim, os materiais curriculares vão além do livro texto do professor e do aluno. A diversidade dos alunos exige, também, a diversidade de materiais, se queremos respeitar o princípio da individualização do ensino.

Nessa concepção de intervenção educativa, os serviços de apoio à escola devem promover subsídios ao professor e constituem a terceira linha dessas medidas. Do ponto de vista curricular, o apoio mais importante que deve ser fornecido pela equipe central de educação são as equipes ou serviços psicopedagógicos, os assessores de formação contínua e os serviços pedagógicos da própria escola. Cada um desses serviços têm uma função diferente, complementar uma com a outra e dirigem-se a aumentar a competência dos professores, não a supri-la. Os esforços devem centrar-se em fornecer ao professor condições que permitam que a formação permanente melhore sua competência profissional, permitindo que eles assumam suas responsabilidades.

Essas inovações propostas no currículo escolar devem estar em concordância com as medidas de organização do sistema educativo. As decisões de organização escolar e de seu funcionamento, relativas aos professores, à estrutura e funções da equipe de direção e à organização de tempo e espaço devem tornar possíveis as intenções educativas expressas no projeto curricular.

Por tudo isso, os órgão centrais de educação, as agências de formação e de pesquisa, notadamente as Universidades, têm um compromisso em relação à reorganização do sistema educativo e à inovação dos processos que aí ocorrem, fomentando a investigação educativa e garantindo os recursos necessários para essa investigação.

A atividade investigadora favorece a reflexão sobre a prática como meio para tomar decisões curriculares. Assim, partindo da consideração da investigação como recurso inovador, é necessário, portanto, fomentar a atividade investigadora dos próprios professores, favorecendo ao desenvolvimento de um ensino de maior qualidade.

Essa proposta de um sistema com uma organização descentralizada e um currículo aberto, em que a própria escola intervém decisivamente na execução do Projeto Curricular, deve acompanhar uma proposta de avaliação que, ao mesmo tempo, aceite as competências da escola, e seja eficaz para regular o funcionamento do sistema como um todo.

Essa avaliação deve abranger os vários aspectos e se estender ao longo de todo o processo educativo. Não deve envolver unicamente o aluno, mas, também, o próprio sistema escolar em seu conjunto e a pluralidade de agentes que intervêm em toda a ação educativa. A avaliação do sistema educativo é competência e obrigação da Administração Central de Educação; a dos processos educativos o é, em primeira instância, dos professores e alunos como agentes desse processo.

Sem dúvida, é muito importante que a mudança que se propõe seja implantada de uma maneira gradual, sem que se constitua uma distorção ou uma carga para a professor e sem que se provoque distorções e ansiedades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUTISTA, Rafael. Necessidades educativas especiais. Lisboa: Dinalivro, 1997.

COLL, César. Psicologia e currículo: uma aproximação psicopedagógica à elaboração do currículo escolar. São Paulo: Ática, 1996.

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GINÉ, Climent, RUIZ, Robert. As adequações curriculares e o Projeto de Educação do Centro Educacional. In: Coll, César et alli. Desenvolvimento psicológico e educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995

LANDÍVAR, J. G., HERNÁNDEZ, R. S. Adaptaciones curriculares: guía para los profesores tutores de educación primaria y de educación especial. Madrid: CEPE, 1997.